Contra-Ordenação
n.º NUICO 000333/08.8 EAEVR
EXMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE REDONDO
CONFRARIA DO PÃO (ALENTEJO), associação privada sem fins lucrativos com sede no Monte das Galegas, 7250-066 TERENA, NIPC 504554417, Arguida nos autos de contra-ordenação em epígrafe, vem nos termos e para os efeitos do art. 59º, n.º 3 do D.L. n.º 433/82 de 27.02 apresentar a seguinte
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
A qual tem por objecto a decisão proferida pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) em 07 de Março de 2008, que, por considerar que a Arguida se encontrava a laborar sem título válido de abertura do estabelecimento que considera ser de “fabrico de panificação”, decidiu, ao abrigo do disposto no art. 21º do D.L. n.º 69/2003, de 10 de Abril, alterado e republicado pelo D.L. 183/2007, de 9 de Maio, e ao abrigo do disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 54º do Regulamento (CE) n.º 882/2004 de 29.04, suspender de imediato a laboração nas instalações da Arguida sitas no Monte das Galegas, em Terena,
O que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
1º
A A. foi notificada pela ASAE no dia 8 de Fevereiro de 2008 para apresentar uma série de documentos, no pressuposto de que tem um estabelecimento industrial de fabrico de panificação (Doc 1).
2º
São esses documentos os seguintes:
licença para o exercício da actividade;
comprovativo do controlo de qualidade da água;
comprovativo do controlo de pragas
comprovativo de formação HACCP.
3º
Em resposta, a A. expôs e requereu ao Senhor Director Regional do Alentejo da ASAE que se dignasse revogar, dando sem efeito, a notificação em causa, por inexigibilidade dos documentos aí referidos, por não se aplicar à Confraria do Pão a respectiva legislação, tudo conforme o seu requerimento cuja cópia aqui se junta e que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais (Doc 2).
4º
Entretanto, aos 7 de Março de 2008, a ASAE notificou o Sr. João Godinho (que se encontrava nas instalações da A. e a quem incumbiu de apresentar a dita notificação ao representante da A.) de que a A. deveria suspender imediatamente o exercício da actividade do dito estabelecimento de fabrico de panificação (Doc 3), medida que ora se impugna.
5º
A suspensão da actividade ora ordenada é ilegal, por falta de fundamento legal.
6º
E ainda que não o fosse ilegal, os seus efeitos sempre seriam totalmente desproporcionados com os direitos que alegadamente se pretendem garantir, tudo como adiante melhor se perceberá:
7º
A Confraria do Pão não é uma sociedade comercial que prossiga uma actividade comercial lucrativa.
8º
A Confraria do Pão é sim uma associação privada sem fins lucrativos, com existência legal e reconhecida (Doc 4).
9º
Entre outros objectos, de natureza social e solidária, a Confraria do Pão visa “promover actividades de investigação científica e sócio-culturais que concorram para o melhor conhecimento, reconhecimento e enquadramento do pão como símbolo da gastronomia alentejana, em particular, e da dieta mediterrânica em geral, enquanto componentes importantes da cultura popular” (vd. estatutos cuja cópia se junta – Doc 5).
10º
São objectivos da Confraria do Pão, entre outros (vd. idem):
aprofundar o estudo do pão tradicional, nomeadamente do Alentejo, como exemplo paradigmático da riqueza alimentar da dieta mediterrânica,
sensibilizar a opinião pública em geral, e a alentejana em particular, para a importância da manutenção do pão tradicional e da sua gastronomia para a sua saúde física e mental,
contribuir para a implementação de certificação aos produtores de pão tradicional que pautem o seu fabrico regular por uma qualidade assinalável,
contribuir para que a actividade panificadora que preserve a riqueza alimentar do pão tradicional seja reconhecida e apoiada como “de utilidade pública”
11º
Para tanto, pode pontualmente a Confraria do Pão proceder à produção de algum pão, sempre seguindo escrupulosamente os métodos de fabrico tradicionais – pois que só assim se promove o conhecimento e divulgação do pão tradicional alentejano.
12º
Uma produção assim não é nem pode ser encarada como uma actividade lucrativa, pois que os métodos tradicionais são extremamente onerosos quando seguidos fielmente – como é o caso da Confraria do Pão.
13º
A título de exemplo, o pão que a A. produz, que deve ser cozido em forno de lenha, demora cerca de 12 horas a ser feito!...
14º
Contudo, e como se viu, a sua actividade não é nem está centrada na produção de pão nem na sua comercialização – está sim centrada na promoção do pão enquanto factor essencial da dieta alentejana e mediterrânica, e no apoio sócio cultural dos agentes envolvidos da sua produção.
15º
As suas instalações são aliás o reflexo da sua actividade, com salas preparadas para conferências e congressos, e estão devidamente licenciadas pela Câmara Municipal do Alandroal, que escrutinou e aprovou todo o projecto respectivo, incluindo a cozinha (Doc 6, que protesta juntar).
16º
A Confraria do Pão não tem um estabelecimento de comércio ou armazenagem de produtos alimentares – não é uma padaria nem um armazém de pão,
17º
Não lhe sendo portanto aplicável o disposto no Decreto-Lei nº 370/99 de 18 de Setembro que estabelece o regime a que está sujeita a instalação justamente dos estabelecimentos de comércio ou armazenagem de produtos alimentares.
18º
A Confraria do Pão não é um operador nem uma empresa do sector alimentar – não é uma empresa panificadora.
19º
Quando muito, e sempre acessória e pontualmente, em complemento e reforço da sua actividade de promoção e divulgação das qualidades do pão alentejano, produz pequenas quantidades de pão que fornece directamente ao consumidor final ou ao comércio a retalho local que por sua vez fornece directamente o consumidor final.
20º
E fá-lo, repita-se, sempre sem visar o lucro e apenas para divulgar o verdadeiro e genuíno pão alentejano. Aliás, para ser «rentável», a produção e distribuição de pão conta com uma imensa componente de trabalho voluntário de vários confrades...
21º
Não lhe sendo portanto aplicável o Regulamento (CE) nº 852/2004 de 29 de Abril, que estabelece as regras destinadas aos operadores das empresas do sector alimentar no que se refere à higiene dos géneros alimentícios, estando excluído da sua aplicação por força do disposto na alª c) do nº 2 do artº 1º do dito Regulamento.
22º
Aliás, e quanto a este Regulamento, mesmo que lhe fosse aplicável, sempre deveria ser afastada a sua aplicação à A. por derrogação, nos termos do Regulamento (CE) nº 2074/2005, que prevê a concessão aos estabelecimentos que fabricam alimentos com características tradicionais derrogações individuais ou gerais aos requisitos estabelecidos pelo anterior Regulamento.
23º
A Confraria do Pão não trata de produtos à base de carne, nem de leite e derivados, nem de frutos nem de produtos hortícolas,
24º
Pelo que também não lhe é aplicável o Decreto-Lei nº 57/99 de 1 de Março, que estabelece as normas para o licenciamento dos estabelecimentos de venda de tais produtos.
25º
A Confraria do Pão não é um estabelecimento industrial nem exerce qualquer actividade industrial,
26º
Pelo que não lhe é aplicável o Decreto-Lei nº 69/2003 de 10 de Abril, que estabelece as normas disciplinadoras do exercício da actividade industrial.
27º
Assim, era destituída de todo e qualquer fundamento a exigência, feita pela notificação de 8 de Fevereiro de 2008, de apresentação de fotocópia de
licença para o exercício da actividade;
comprovativo do controlo de qualidade da água;
comprovativo do controlo de pragas; e
comprovativo de formação HACCP.
28º
Tal como, pelos mesmos motivos, é também destituída de todo e qualquer fundamento legal a exigência de uma licença para o exercício de uma actividade industrial que a A. não exerce, e que alegadamente fundamenta a ordem de suspensão que ora se impugna (vd Doc 3).
29º
Pelo que também a contra-ordenação e a sanção aí anunciadas se não aplicam à A.
30º
Como se disse, a actividade da Confraria do Pão não é industrial nem comercial, mas sim uma actividade sócio-cultural não lucrativa, actividade que legalmente pode prosseguir sem ter uma especial licença para tal.
31º
Admite contudo a Confraria do Pão que, como disse, acessória e pontualmente, em complemento e reforço da sua actividade de promoção e divulgação das qualidades do pão alentejano, produz pequenas quantidades de pão.
32º
Esta produção é feita, recorde-se, no cumprimento escrupuloso do modo artesanal tradicional e regional de fabrico de pão alentejano, articulado com os conhecimentos científicos actuais e comprovados como úteis para a Saúde Pública. Assim, desde os cereais usados com recuperação dos trigos autóctones que já se não produziam no Alentejo há mais de 50 anos, passando pela forma de amassar que, apesar de mecânica, reproduz na amassadeira os rituais e tempo da manual, até ao modo e duração da cozedura, podemos afirmar a natureza «artesanal e tradicional» do fabrico, ora enriquecido em termos de higiene e relativamente aliviado em termos de trabalho físico.
33º
Para além de cumprir estas regras e usos imemoriais, a Confraria do Pão cumpre também todas as condições de higiene e sanitárias exigíveis.
34º
Não existe porém ainda, como é sabido, legislação que regulamente o fabrico de pão tradicional regional.
35º
E não pode esta produção levada a cabo pela Confraria do Pão ser regulada por analogia pela legislação que manifestamente visa a produção industrial e/ou a comercialização lucrativa e massificada de géneros alimentares.
36º
E não pode porque, claramente, não há uma analogia entre ambas as situações.
37º
Aliás, é justamente porque está ciente da especificidade da situação que toda a Assembleia da República tem manifestado ser necessário tratar de forma especial estas situações especiais:
38º
Assim, por iniciativa do PS, a Comissão de Assuntos Constitucionais aprovou em Fevereiro de 2008 um grupo de trabalho para fazer o levantamento dos produtos tradicionais que necessitam de um enquadramento específico na regulamentação da segurança e higiene (Doc 7).
39º
Também o PSD apresentou um projecto de Resolução nº 280/X (3ª) que recomenda ao governo a adopção de medidas que visam a protecção dos produtores e produtos tradicionais (Doc 8).
40º
E o CDS-PP também apresentou um projecto de Resolução nº 261/X (3ª) com recomendações ao Governo no âmbito da organização e actividade da ASAE, que contempla justamente tratamento excepcional para este tipo de casos especiais de produção tradicional.
41º
Assim sendo, entende a Confraria do Pão que cumpre escrupulosamente as regras que lhe são aplicáveis,
42º
Não lhe sendo exigível, naturalmente, que cumpra regras que manifestamente lhe não são aplicáveis nem portanto exigíveis.
43º
Quanto aos danos e prejuízos causados à A. pela suspensão ora ordenada, são eles manifestos e enormes:
44º
Como se disse supra, sem efectivamente fabricar pão, ainda que desta forma reduzida e com grande sacrifício pessoal dos Confrades e prejuízo financeiro, a A. não consegue demonstrar de forma cabal como se faz e a que sabe e como se usa e quão bem faz o pão regional e tradicional alentejano.
45º
A sua actividade sócio-cultural de divulgação deste pão fica muitíssimo prejudicada.
46º
Já a saúde dos consumidores do dito pão (na sua esmagadora maioria os próprios Confrades), essa em nada é beneficiada pela suspensão ora ordenada: é sabido que de facto o fabrico de pão pela A. não só jamais beliscou ou sequer pôs em risco a saúde de quem o come como, pelo contrário, é feito de forma a visar ser um excelente alimento, totalmente natural e completo.
47º
Pelo que a desproporção entre o sacrifício imposto à A. e o direito alegadamente que se pretende defender do consumidor, é manifesta e injustificada.
Nestes termos e nos mais de direito que V. Exa suprirá, deve a presente impugnação ser deferida por provada e revogada a suspensão da laboração ordenada aos 7 de Março de 2008, por ter sido ordenada sem fundamento legal e com manifesto e injustificado prejuízo para a A.
Testemunhas:
Dr. João António Figueiredo Coelho de Madureira, médico, residente na Rua Padre Joaquim Espanca 7, 2º andar, 7160-261 VILA VIÇOSA
João António Compoete Godinho, residente na Rua Diogo Lopes Cerqueira, nº 10, 7250-129 ALANDROAL
Junta: 7 documentos, cópias e duplicados legais
Protesta juntar: procuração forense e 1 documento (Doc 6)
A Advogada,
quarta-feira, 11 de março de 2009
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