sexta-feira, 27 de março de 2009

«SÓ SE PERDEM AS LUTAS QUE SE ABANDONAM!»

Foto de Luís Moura na Homenagem a Emílio Peres em Junho de 2004: da esquerda para a direita: Manuel Gouveia Ferreira, advogado, Famalicão; João Cordeiro, Animador Cultural, Reformado, Vila Viçosa; Mª Rosa Molefas, Professora do Ensino Secundário, Redondo; João Paulo Gomes, Professor do Ensino Secundário, Agueda; Rui Baptista, Douturando em Filosofia, Universidade de Santiago de Compostela, Póvoa do Varzim; Sérgio Vinagre, Médico e Presidente da Universidade Popular, Porto; Casimiro Meneses, Médico aposentado do Hospital de Portalegre; Maria Manuel Valagão, Técnica Superior do Ministério da Agricultura e Professora Universitária no ISCTE, Lisboa; Maria Daniel Vaz de Almeida, Presidente do Conselho Directivo da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (FCNAUP); Maria Manuela Cavalheiro, Professora da Faculdade de Medicina de Coimbra; e João Duarte Freitas, Médico aposentado dos Hospitais da Universidade de Coimbra.

A Confraria do Pão acaba de ser condenada à interrupção dos processos de panificação tradicionais por decisão do Tribunal do Redondo, no seguimento de uma acção suspensória da ASAE.
Na realidade, uma veredicto que nos espanta, na medida em que, quem conhece e frequenta a Confraria, sabe que o fabrico de pão tradicional tem a ver com o apuramento das qualidades desse pão, sem desvirtuar as características sápicas e a qualidade alimentar desse centenário mitigador da fome.
A Confraria produz pão do mesmo modo que organiza simpósios, conferências, debates. Mais, a Confraria, reproduz, com finalidades didácticas o “ciclo do pão”, desde a sementeira, à monda, à ceifa,…até ao amassar do pão, à sua cozedura e à sua degustação.
Este produto final não é um resultado comercial.
Os valores jurídicos relativos à Saúde Pública e da Segurança e Higiene Alimentar, que todos achamos necessários, não se aplicam a uma instituição da natureza da Confraria. Nós valorizamos a regulação milenar deste processo de fabrico de pão pela triagem e selecção que, homens e mulheres deste País, foram introduzindo, de modo empírico, mas sempre crítico e dinâmico, no apuramento da “fabricação” de um pão especial. O pão tradicional alentejano.
Os produtos tradicionais só por desconhecimento podem ser considerados assépticos. Até porque o campo, no caso vertente o montado, não é um bloco operatório. Um produto tradicional tem um incalculável valor porque é fruto da experiência humana e, na repetição centenário, ou se quisermos milenar, de processos de que foram sendo depurados os métodos e os procedimentos até resultar um produto final de qualidade e, o mais importante, saudável.
A Confraria desfruta de um salão nobre rematado por um, também, tradicional forno a lenha, à frente do qual têm lugar as cerimónias mais nobres e significativas que promovemos. Se a Confraria fosse um templo, o forno tradicional seria o seu altar. Está à vista, em lugar de destaque, porque é um símbolo. Na verdade, um símbolo vivo porque nas nossas cerimónias o fazemos funcionar como um passo didáctico para a compreensão do Mundo Rural.
Na realidade, considerar a Confraria ao nível de uma vulgar padaria é, menosprezar e deturpar o papel e as finalidades que levaram a erguê-la, em pleno coração do Alentejo, integrado numa casa típica (monte), adaptada para actividades didácticas, culturais e recreativas.
Mais adequado seria considerar a Confraria um Laboratório experimental sobre o pão tradicional alentejano. Quando recentemente a Assembleia da República legislou sobre o teor de sal do pão e o fixou (no máximo) em 14 gramas por Kilo, há 2 anos que vínhamos experimentando essa redução – em sucessivas amassaduras e sem descaracterizar o pão – e, com grande regozijo e mais valia para a Saúde Pública - tínhamos atingido valores à volta das 9 gramas de sal por Kilo.
Nós, não nos movimentamos no mercado do pão. O pão, para nós, não é uma mercadoria (uma “commodity” como se diz na moderna linguagem técnica), mas uma parte indissociável de todos nós – portugueses - que apostamos em preservar. É, portanto, um bem patrimonial valioso que não merece o tratamento de um vulgar produto para ser introduzido na senda mercantilista. Património é uma coisa totalmente diferente. Para nós é um bem, materialmente irrelevante mas que está carregado de uma insubstituível herança.
Portanto, a decisão judicial, ao incorporar a produção de pão tradicional da Confraria no regime geral das padarias relativos à Saúde Pública e da Segurança e Higiene Alimentar, passa ao lado da especificidade e desvaloriza o património tradicional que foi sendo construído, sem regulamentação específica, ao longo de séculos pelas populações.
Na Confraria reproduzimos, ao confeccionar o pão tradicional, a vivência doméstica de muitos montes alentejanos que, hoje, estão em agonizante declínio.
A diferença é só uma. Temos andado a tentar acrescentar a este pão tradicional, que temos por desígnio preservar, novos conhecimentos científicos respeitantes às Ciências da Nutrição e no respeito e salvaguarda da saúde dos parcos - porque não somos produtores encartados - privilegiados e exíguos consumidores.
Por estas razões, sem reivindicar quaisquer estatutos de excepção, estamos convictos que deveríamos ter merecido melhor compreensão dos objectivos que estamos determinados a prosseguir.
Nesse sentido, a Confraria deve recorrer da sentença do Tribunal do Redondo, movida somente pelo desejo de ir em busca de novo veredicto, mais consentâneo e melhor adaptado à realidade, despido de critérios abstractos.
Continuamos a confiar em absoluto na nossa mandatária Drª Constança Maltez, a qual, pressentimos, tal como nós, bem sabe que «só se perdem as lutas que se abandonam»!

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